Vadiagem: Contravenção ou
seleção natural dos marginalizados no Estado Democrático de Direito
Pedro Rogério Melo de Lima
e-mail:pedro.lima@zipmail.com.br
Buenos Aires
2012
RESUMO
O Estado Democrático de Direito propicia a seus
cidadãos a garantia de que os seus direitos estarão preservados frente a uma
possível quebra desta harmonia. Já o Direito Penal regula a convivência das
pessoas em Comunidade. O infrator que quebrar a harmonia em sociedade, ou der
causa ao fato, pode ser punido para que o contrato social volte à normalidade. O
Delito deve ser combatido. Nas Ordenações Filipinas, o Livro V era considerado
o mais rigoroso e cruel, onde está tipificado o crime de
vadiagem. Constituído a partir da sua classificação,
eram caracterizados como vadios aqueles que nada fazem ou aqueles que não
possuem dono ou patrão. As Penas substitutas nasceram para dar vazão ao sistema
carcerário e evitar que pessoas sejam enviadas para o cárcere por crimes de
menor e médio potencial ofensivo. Elas não incentivam a criminalidade, muito
pelo contrario, tornam a pena mais humana e racional. O Protocolo de Tóquio,
promovido pelas Nações Unidas, recomendam aos seus signatários uma melhor
compreensão dos delitos e dos delinquentes. Que procurassem evitar as penas
privativas de liberdade, e onde coubessem, estes delitos poderiam ser
substituídos por penas alternativas. A intenção de tal medida é humanizar as
penas aplicadas e evitar o colapso carcerário Mundial. O Código Penal
Brasileiro passou por amplas reformas e criou as Penas substitutas, na década
de 90. O Poder Judiciário Brasileiro inovou na aplicação das penas nos crimes
de menor e médio potencial ofensivo. Ele substitui as penas privativas de
liberdade em penas alternativas, que são cumpridas em sua maioria em órgãos
públicos e entidades da sociedade civil. Assim, pretendo identificar do ponto
de vista sociológico-jurídico penal qual o dano causado ou não ao Estado e aos
seus membros pelo fato de pessoas viverem de maneira alternativa e se esta
determinação pode interferir na autonomia dos grupos sociais e ferir o
principio da dignidade da pessoa humana.
Palavras-chave Vadiagem, Protocolo de Tóquio, Penas substitutas, seleção dos
marginalizados, Estado Democrático de Direito.
INTRODUÇÃO
Na minha experiência como Assessor
Parlamentar da Deputada Federal Marina Sant’Anna, do Partido dos Trabalhadores
do Estado de Goiás, na Câmara dos Deputados, a partir do ano de 2011, observei
os inúmeros Projetos de Lei que alteravam a Lei de Contravenções Penais.
Este artigo visa analisar a
Contravenção de vadiagem tipificada na Lei de Contravenções Penais frente ao
Estado Democrático de direito e a contribuição da Teoria Significativa da Ação
para sua extinção.
Assim, pretendo identificar do
ponto de vista sociológico-jurídico penal qual o dano causado ou não ao Estado
e aos seus membros pelo fato de pessoas viverem de maneira alternativa e se
esta determinação pode interferir na autonomia dos grupos sociais e ferir o
principio da dignidade da pessoa humana.
O tema é importante para
analisar se conceitos essenciais como Liberdade e Principio da dignidade da
pessoa humana dependem de interpretação ou se são absolutos.
Portanto a pergunta principal a
ser respondida por este artigo é se, viver de maneira alternativa ou a margem
da sociedade é considerado como Vadiagem, logo, Contravenção, ou se fere o
principio da dignidade da pessoa humana.
A hipótese é que, apesar de poder
parecer que tanto o principio da liberdade e o principio da dignidade da pessoa humana estarem consolidados
na Constituição Federal, as pessoas continuam sendo acusadas, humilhadas, condenadas
e presas pela contravenção da vadiagem.
O Brasil adota como regime de
governo o Estado Democrático de Direito. Neste regime o princípio basilar é o
principio da legalidade além do que ele é identificado pela vigência da
submissão de todos à lei; pela divisão de poderes e a declaração de direitos
além de ser um regime de transformação e justiça social. Apesar de alguns
operadores do direito se alinharem a Teoria Minimalista, onde, os propósitos do
estado democrático sejam vistos a partir do direito.
As pesquisas bibliográficas
adotadas neste artigo científico consultam as mais diversas obras
especializadas, as decisões dos tribunais penais, a legislação pátria, identificará processos judiciais, os Projetos de Leis em
tramitação na Câmara dos Deputados, examinará a doutrina e, a partir dela, irá investigar um
modelo possível de utilização prática pelos tribunais, nos casos concretos que
cominem com a extinção da prisão por vadiagem e a sua extinção do ordenamento
jurídico brasileiro.
Presumindo-se que os problemas
das agressões familiares envolvendo a embriaguez afetam a quase todas as famílias
e ao Estado, poder-se-ia deduzir que o numero de pessoas que abandonam o seu
lar é significativo, o que caberia avaliar qual seria a maneira adequada para
tratar tais situações. Presume-se ainda que as pessoas que estão nas ruas, na
sua grande maioria sofreram problemas em seu lar, o que os levou a uma vida sem
rumo ou uma vida de Vadiagem. Para o filosofo Italiano Giorgio Agambem o Browm, termo cunhado para identificar o
lugar sem lugar algum, ou a La Nuda Vida.
DESENVOLVIMENTO
O primogênito direito a surgir
foi o penal. A pena representava a vingança privada da vitima, de seus
descendentes ou da tribo que vivia. Era a época do olho por olho, dente por
dente, o Código de Hamurabi e a Lei das XII Tábuas.
Preliminarmente
iremos observar a evolução das penas. Passando da fase da vingança, teve inicio
nos primórdios prolongando-se até o século XVIII. A vingança divina era
caracterizada pelas catástrofes naturais, as pragas e pestes que arrasavam
multidões. A vingança pública trouxe um avanço jurídico para a época, as penas
não eram mais aplicadas por terceiros e sim pelo Estado. Posteriormente,
com os ideais do movimento humanitário nasciam os limites ao combate ao crime,
humanizando-se as penas.
Cesare Beccaria nasceu em Milão,
no ano de 1738. Ele foi o primeiro de sua época a se insurgir contra as
injustiças dos processos criminais, das penas espetáculos, da tortura, das
penas infamantes e da atrocidade dos suplícios.
Mas, o que mais chamou a atenção
de todos foi a ideia reformadora de uma pena. Entendia que “é melhor prevenir do que
castigar” e continua, “a finalidade das penas não é atormentar e afligir um ser
sensível”, mas sim impedir que novos delitos aconteçam (BECCARIA, 2002).
As penas alternativas aplicadas
aos crimes de médio e menor potencial ofensivo parecia ser a medida acertada e
aparentemente era defendida por Beccaria no século XVII, quando afirmava que “a
perda da liberdade sendo já uma pena, esta só deve preceder a condenação na
estricta medida que a necessidade o exige” (BECCARIA, 1984. PG. 107).
“La Filosofía penal liberal se concreta en el pensamiento de Beccaría
fen una fórmula jurídica que resultaba del Contrato social de Rousseau: el
principio de la legalidad ele los delitos y de las penas: nadie podrá ser
castigado por hechos que no hayan sido anteriormente previstos por una ley, y a
nadie podrá serle impuesta una pena que no esté previamente establecida en la
ley.” (ASÚA. 1958.pg.34).
O conceito Penal criado por Asúa leciona (1958. pg.18) como sendo um:
“Conjunto de normas y disposiciones jurídicas que regulan el ejercicio
del poder sandonador y preventivo dele Estado, estableciendo el concepto del
delito como presupuesto de lá acción estatal, así como la responsabilidad del
sujeto activo, y associando a la infracción de la norma una pena finalista o
una medida asseguradora.”
Assim, a reforma do Código Penal
de 1984 inovou instituindo as penas substitutivas da privativa de liberdade, no
bojo das ampliações trazidas pela Lei 9.714/97, que alteraram o Código Penal
quanto à aplicação de penas restritivas de direitos.
Para Machado (2003, p. 01),
“Qualquer decisão que condene o réu a pena alternativa diversa àquelas
dispostas no artigo anteriormente referido estará eivada de nulidade”.
Seguindo o
conceito da humanização das penas e a ressocialização dos delinquentes, a
Organização das Nações Unidas – ONU recomendou aos países membros que adotassem
regras mínimas para os crimes de menor e médio potencial ofensivo, que ficaram conhecidas
nas regras de Tóquio como “sanções e medidas que não envolvem a perda da
liberdade”.
“Direitos Humanos na Administração da Justiça - Tratamento dos
Delinquentes Regras Mínimas das Nações
Unidas para a Elaboração de Medidas não Privativas de Liberdade (Regras de
Tóquio)” - Adoptadas pela Assembleia Geral das Nações Unidas
na sua resolução 45/110, de 14 de Dezembro de 1990. A Assembleia Geral, Tendo
em consideração a Declaração Universal dos Direitos do Homem(1) e o Pacto
Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos(2), assim como outros instrumentos
internacionais de direitos do homem relativos aos direitos das pessoas em
conflito com a lei,Tendo igualmente em consideração as Regras Mínimas para o
Tratamento de Reclusos(3) adoptadas pelo Primeiro Congresso das Nações Unidas
para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes, assim como a
importante contribuição dada por estas regras às políticas e práticas
nacionais, Lembrando a Resolução 8 do Sexto Congresso das Nações Unidas para a
Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes(4) relativa às soluções
alternativas à prisão, Lembrando também a Resolução 16 do Sétimo Congresso das
Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes(5),
relativa à redução do número dos reclusos, soluções alternativas à prisão e reinserção
social dos delinquentes, Sublinhando que o aumento da população penitenciária e
a superlotação das prisões em muitos países constituem factores susceptíveis de
entravar a aplicação das Regras Mínimas para o tratamento de reclusos,”..
Para
o autor Italiano Alessandro Barata a justiça criminal não detém os meios
eficazes para estancar a criminalidade, senão garantir o seu cumprimento.
“a Justiça Penal somente
administra a criminalidade, não dispondo de meios de combatê-la. Funciona
apenas como selecionadora de sua clientela habitual nas classes trabalhadoras.
O crime é um subproduto final do processo de criação e aplicação das leis,
orientadas ideologicamente às classes dominantes. Percebe-se a negação total do
mito do Direito Penal como igual, em que a lei protege todos”. (BARATTA, 1999,
p. 175).
No Brasil esta
em andamento o trabalho de uma comissão de juristas do Senado Federal que
apresentará os estudos para reformar o Código Penal Brasileiro. Esta comissão corroborando
com as regras de Tóquio aprovou, dentre outras, a descriminalização do uso pessoal
de drogas no País.
Já
o Doutrinador Eugenio Zafaroni se alinha a Teoria Minimalista Penal do Estado.
Defende a formula garantista donde os propósitos do estado democrático sejam
vistos a partir do direito. Estado, com uma intervenção mínima. “Jamais pode o
Direito penal ter incidência senão quando absolutamente necessário (princípio
da intervenção mínima - Nulla lex poenalis sine necessitate: não há lei penal
sem necessidade).”
Os Tratados Internacionais que
versam sobre direitos humanos onde o Brasil é signatário passam a ter status de Emendas Constitucionais, e
constituem-se em clausulas pétreas. Ihering afirma que “o direito é um labor
continuo, não apenas dos governantes, mas de todo o povo” (IHERING, 2004, p.
27).
A tipificação da Contravenção de
Vadiagem está insculpida no Decreto-lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941, Lei
das Contravenções Penais, alterado pelas Leis 1.390 de 1951, 6.416 de 1977,
7.437 de 1985, 9.521 de 1997 e a 11.983 de 2009, em seu artigo 59, tipifica o
que seja Vadiagem.
"Art. 59 Entregar-se alguém
habitualmente à ociosidade, sendo válido para o trabalho, sem ter renda que lhe
assegure meios bastantes de subsistência, ou prover a própria subsistência
mediante ocupação ilícita: Pena” prisão simples, de 15 (quinze) dias a 3 (três)
meses.
Parágrafo único “A aquisição superveniente
de renda, que assegure ao condenado meios bastantes de subsistência, extingue a
pena".
Após longa
discussão no Congresso Nacional, em julho de 2009 foi sancionada pelo Presidente
da Republica a Lei 11.983/2009, abolindo a infração penal da
pratica de mendicância. Por mais estranho que possa parecer, em pleno século
XXI, pedir esmolas para resolver um problema de sobrevivência era punido com
pena de prisão simples, de quinze dias a três meses (art. 60 da Lei de
Contravenções Penais – Decreto Lei 3.688/1941). No entanto a abolição da
contravenção de vadiagem, dentre tantas outras, dependem da vontade politica
partidária ou da politica criminal.
A disciplina formada nas
escolas, quarteis, casa dos senhorios, nas prisões, fazem parte de um grande
adestramento do corpo e mente. Segundo Foucault (2006, p.149) “a disciplina
traz consigo uma maneira especifica de punir, e que é apenas um modelo reduzido
do tribunal. O que pertence à penalidade disciplinar é a inobservância...”.
Segundo Foucault (2006, p. 197),
não acredita que a prisão tenha o poder de ressocialização do individuo, mas
entende ser um mal necessário que a sociedade não pode abrir mão, tendo em
vista que ela parece ser a forma mais humana da pena e ninguém nasce condenado
a viver no crime.
A Pena privativa de liberdade
das demais punições, exceto a morte, é a mais severa para ser aplicada nesse
caso, por menor que seja o tempo a ser cumprido. A liberdade é a conquista que
o homem obteve nas lutas contra a tirania, por isso deve ser respeitada.
Mas, na contramão da história,
no ano 1949 foi apresentado Projeto de Lei que cria no Departamento Federal de
Segurança Publica, do Ministério da Justiça e Negócios Interiores, o cargo de
Delegado especializado em repressão da mendicância e vadiagem, tendo sido
arquivado por vicio de iniciativa.
"parece evidente que a simples
pretensão de punir aqueles que a sociedade já condenou à exclusão social, à
fome e ao desespero revela uma crueldade talvez insuperável em nosso
ordenamento jurídico", de forma que os artigos 59 e 60 expressam "a
insensibilidade social das elites dominantes". Segundo o deputado o Brasil
"possui milhões de seres humanos vivendo à margem da própria idéia de
direito" e conforme "critérios mais conservadores, são pelo menos, 32
milhões os brasileiros que habitam esse mundo de esquecimento, violência e
desespero. Cada um deles, a rigor, pode ser enquadrado nas condutas que a
maldade legislativa do século passado tipificou nesses dois artigos".
Na busca de revogar as normas
previstas nos artigos 59 e 60 da Lei das Contravenções Penais encontramos
diversos Projetos de Lei, dentre eles o de nº 5.799/01, de autoria do
ex-deputado federal Marcos Rolim. O deputado justifica o projeto de lei
afirmando que estes artigos expressam “crueldade talvez insuperável em nosso
ordenamento jurídico”.
O Legislador está constantemente
na busca de reformular as Leis que disciplinam a vida do individuo e a
organização da sociedade, passando a representar um movimento em volta da
reengenharia de novos sistemas punitivos associados à função Social da Pena. A
atualização Legislativa faz-se necessário sempre que um fato social sofre
pesados levantes da sociedade, ou dos próprios Legisladores.
O autor dos Delitos e das Penas,
Cesare Beccaria, indignado com as contradições dos legisladores, sugere que “os
meios que a Legislação emprega para impedir os crimes devem, pois, ser mais
fortes a medida que o delito é mais prejudicial ao bem publico e pode torna-se
mais comuns. Deve, pois haver uma proporção entre os delitos e as
penas.”(BECCARIA,p.79,2006).
Os casos de Contravenção de
vadiagem no Brasil ainda chegam aos tribunais Superiores de justiça brasileira. Então vejamos.
Em pleno Século XXI, terceiro milênio, onde vemos
o avanço das tecnologias, das ciências, da comunicação nas nuvens, o Tribunal
de Justiça do Rio Grande do Sul recebeu e acatou denuncia oferecida pelo
Ministério Público, em dezembro de 2010, contra um jovem de 20 anos, natural
daquele estado, filho de pais conhecidos, residência fixa, com ensino
fundamental, com fulcro nas sanções do art. 59 da Lei de Contravenções Penais,
pela prática do fato delituoso de pedir
dinheiro em via pública, ou seja, esmolando.
O Réu alegou em sua defesa que era guardador de
carros e que pedia dinheiro aos motoristas pelos serviços prestados. O
Ministério Público entendeu que o réu provia a própria subsistência mediante
ocupação ilícita.
A Denuncia foi julgada procedente e
ele condenado a prisão simples, pena privativa de liberdade, substituída por
uma pena restritiva de direitos, consistente em prestação de serviço à
comunidade, pelo mesmo prazo da pena privativa de liberdade aplicada, ou seja,
03 (três) meses. TJRS -
Recurso Crime RC 71003203031 RS (TJRS)
TJRS - Recurso Crime
RC 71003203031 RS (TJRS) Data de Publicação: 13/09/2011. Ementa: APELAÇÃO
CRIMINAL. VADIAGEM. ART 59 DA LCP. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DEFENSIVO.
INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. Carecendo a instrução de provas seguras e suficientes
acerca da autoria e da materialidade delitiva, assim como de anterior
habitualidade ociosa ou de provisão da subsistência mediante ocupação ilícita,
impositiva a reforma da sentença condenatória. RECURSO DEFENSIVO PROVIDO.
(Recurso Crime Nº 71003203031, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais,
Relator: Edson Jorge Cechet, J...
Para IHERING (2004, p.27) “O
objetivo do Direito é a paz. A luta é o meio de consegui-la. Enquanto o direito
tiver de rechaçar o ataque causado pela injustiça – e isso durará enquanto o
mundo estiver de pé – ele não será poupado”.
Para o Dr. Fábio Aguiar Munhoz Soares, da 17ª
Vara Criminal de São Paulo, os casos de processo por vadiagem eram comuns até a
década de 70. Depois da promulgação da Constituição, em 1988, foram poucos os
casos.
"A lei
que contém a vadiagem é de 1941. É uma contravenção, como se fosse um crime
menor. O legislador entendeu que alguns delitos de menor expressão deveriam ser
considerados contravenção penal. De lá para cá o Brasil mudou, as coisas
mudaram. Em algumas cidades do Brasil, a sua aplicação ainda pode ocorrer. Mas
dificilmente será aplicada em cidades grandes, como São Paulo."
Outro caso enigmático enfrentado pelo Supremo Tribunal Federal no ano
de 1958, que incitado a se pronunciar sobre Recurso em Habeas Corpus impetrado por paciente canceroso e com medo de ser
confundido com um vadio, pede aquele corte a concessão de salvo conduto, uma
vez, que por sua enfermidade não mais exerceria suas atividades, tamanho era o
medo de ser confundido com um vadio.
O caso citado acima aconteceu com um meliante que tirava o seu
sustento de maneira ilícita e com medo que a policia o surpreendesse em
flagrante de vadiagem, foi aconselhado a ingressar com Habeas Corpus preventivo para evitar ter sua vida confundida com o
tipo descrito no artigo 59 da Lei das Contravenções Penais.
Após a perícia médica e a constatação que o paciente sofrera de câncer
nas cordas vocais, o pleno do Supremo concedeu o salvo conduto, declarando-o em
estado de invalidez, com um (01) voto contrário.
STF - RECURSO EM
HABEAS CORPUS RHC 36141 (STF) Data de Publicação: 1 de Janeiro de 1970
Ementa: PACIENTE CANCEROSO. PEDIDO DE HABEAS-CORPUS CONCEDIDO PARA IMPEDIR
POSSIVEIS FLAGRANTES DE VADIAGEM. . VADIAGEM. CONCESSÃO DE SALVO CONDUTO A
PACIENTE CANCEROSO. DIR. PENAL 1950, 1960 V DOCUMENTO INCLUIDO SEM REVISÃO DO
STF ANO:** AUD:12-11-1958
Um cidadão na década de 80, que
apresentava como profissão a arte de esteticista e que andava com outros
travestis, fora alvo de sindicância por parte da policia de São Paulo para que
provasse de onde tirava os frutos de sua subsistência. Como não provou foi
preso e sofreu a ação penal, sendo incluído no tipo penal do artigo 59 da Lei
Contravenções Penais. O paciente ingressou com Recurso em Habeas Corpus, buscando garantir seu direito liquido e certo de ir
e vir, não obtendo êxito.
STF - RECURSO EM
HABEAS CORPUS RHC 61364 SP (STF)
Data de Publicação: 9 de Abril de 1984 - Ementa: HABEAS CORPUS. VADIAGEM. JUSTA CAUSA.
PACIENTE QUE NÃO PROVA ESTAR EXERCENDO O OFICIO PARA O QUAL SE DIZ HABILITADO,
OU CONTAR COM RENDA LICITA, A GARANTIR-LHE A SUBSISTENCIA. ANTERIOR SINDICANCIA
POR VADIAGEM, SEM QUE ISSO TENHA LEVADO O PACIENTE A OPÇÃO POR ALGUMA
FORMA DE TRABALHO. INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE OU ABUSO DE PODER QUE CONTAMINE
O PROCESSO CONTRAVENCIONAL. RECURSO ORDINÁRIO DESPROVIDO. . CONTRAVENÇÃO PENAL,
VADIAGEM. PRISÃO EM FLAGRANTE, PACIENTE, PROFISSAO, PROVA, CARTEIRA DE
...
O Positivismo jurídico
surge dentro das seguintes escolas do direito: Escola clássica do Direito
Penal, Escola Positiva do Direito Penal e Escola eclética do Direito Penal.
Em 1746, período vigente
da Escola clássica do direito penal, surge a obra de César Beccaria, Dos
Delitos e das Penas, iniciando uma nova fase do pensamento penal onde clama por
leis mais claras, justa e de fácil interpretação. Revela sua preocupação com a
barbaridade das penas espetáculos e propõe o seu fim.
No século XIX surge a escola
positiva do Direito Penal. Nesse período César Lombroso publica sua obra L’Uomo
Delinquente, abrindo novos oportunidades para o estudo sobre o criminoso e a
pena. A teoria era observar o homem ante da observação do tipo penal.
A Escola Eclética Crítica surge
no século XX, onde busca uma posição conciliadora entre as escolas anteriores.
“Surgem autores da envergadura de GABRIEL TARDE, VON LISZT, ALIMENA,
INGENIEROS, que procuraram somar as experiências mais fecundas até então vivenciadas
e teorizadas pelos filósofos das escolas anteriores” (SAVINO FILHO, p.11,2001).
Para Busato,
apenas o simples fato de uma infração de gravidade insignificante não concede
ao Estado o poder de agir duramente e procurar flexibilizar suas garantias Constitucionais.
“O fato de estar diante de uma infração que não cobra relevância social a ponto
de exigir uma intervenção dura, não significa estar com uma situação de direito
que pode transigir com garantias, mais sim estar diante de uma situação que,
por muito que a lei diga o contrario, não pode e não deve ser considerada
Direito penal...” (BUSATO, 2007, P.339).
O Direito penal do inimigo
teorizado por Günther Jakobs cria uma nova distinção de pessoas. Aquelas
cumpridoras de suas obrigações e aquelas que estão à margem da Lei, para ele,
estas seriam chamadas de inimigos, uma vez que não mais obedeciam as regras do
Contrato Social.
Para Busato (2007.p342 citando
Jakobs ), “Trata-se de legitimar, no âmbito do Estado, como única forma de
preservação do cidadão, uma categoria de “não cidadãos” de “não pessoas”,
definitivamente, de “inimigos”.”
Essa teoria vem de encontro com
as democracias modernas, uma vez que suas Constituições trazem garantias
fundamentais da pessoa humana, não aceitando tal diferenciação. Além de
reascender um abismo gigante entre as pessoas, esta foi a tentativa de se criar
uma raça pura sem desvio de condutas ou infalíveis, como praticado outrora por
Adolf Hitler.
De toda sorte, é uma teoria que aumenta o fosso social existente no
mundo, uma vez que procura garantir à burguesia ruas limpas de pessoas
absolutamente desprovidas de posses. Para Busato (2007.p.24) “O desprezo ao ser humano é evidente. Quem está na
condição do “inimigo”, e, portanto de “não pessoa”, pode simplesmente ser
“eliminado”.
Como
bem observou Busato citando Plinio de Arruda Sampaio “Penas mais severas,
prisões mais duras, policia mais truculenta, é tudo quanto os porta-vozes da
burguesia reclamam para deter a violência criminal”. Isto porque “há muito
tempo a burguesia renunciou a qualquer projeto civilizatório e a classe media
não tem outro sonho senão o de copiar o padrão de vida burguês”. Explica Hanna
Arendt.
As
Ciências Jurídicas e Sociais buscam interpretar os conflitos que muitas vezes
tem sua origem/causa numa relação econômica e social que culminam com a pena
privativa de liberdade, e apontar uma solução viável.
CONCLUSÃO
O Direito Penal garante a
Sociedade o direito de resposta quando o seu bem tutelado sofre um dano, seja
material ou moral. Cuida ainda de garantir que as regras de convivências não
sejam quebradas, impondo penas, a aqueles que a descumprem.
Nos casos trazidos para analise neste trabalho, verificou-se que todos
pertencem aos grupos de exclusão, ou seja, aqueles colocados a margem da
sociedade. O primeiro caso retrata a vida dos milhares de flanelinhas
existentes em todo o Brasil e que buscam seu sustento por meio da prestação de
serviço de olhar o carro dos clientes.
No segundo caso a pessoa é velha e cancerosa.
Dois atributos fortes para exclusão numa sociedade preconceituosa e injusta.
Por não ter mais condição de trabalhar e possivelmente de locomoção, foi
forçado a buscar amparo no Poder Judiciário.
No terceiro caso o preconceito aumenta, uma vez
que este trata da questão de gênero - travesti trabalhando em salão de beleza e
tem por profissão o exercício da esteticista, profissão exercida pelo sexo
feminino. A opção sexual da pessoa cabe a ela escolher. Discriminação de Raça,
Gênero e Religiosidade, não deveria fazer mais parte de uma sociedade moderna.
A separação das classes sociais é um fenômeno supostamente
estudado por todas as áreas do conhecimento, passando pela Sociologia,
Filosofia, Antropologia, Economia, Ciências Jurídicas e áreas correlatas, desde
o nascimento da sociedade. Frente a estas situações, a tipificação da conduta
de vadiagem foi a maneira encontrada pela Burguesia para se separar ricos e
pobres, brancos e negros, católicos e ateus, alfabetizados e analfabetos,
homens e mulheres.
Na
Câmara dos Deputados inúmeros Projetos de Lei requerem a extinção do artigo 59
da Lei de Contravenções Penais. Existem projetos que datam de 1966, até os dias
de hoje. Por que será que esta tipificação ainda continua fazendo parte das
normas incriminadoras? Prevenção, Medo, Insegurança ou Preconceito? Ou esta
nascendo uma nova categoria de pessoas, as não pessoas? Reflitamos.
No entanto, este trabalho procura demonstrar a discussão
filosófica, sociológica e jurídica sobre a humanização das penas e a
aplicabilidade de penas substitutas, ou alternativas aos crimes de menor e
médio potencial ofensivo envolvendo a Contravenção da Vadiagem.
Por
fim, constata-se que a discussão filosófica ou atualização legislativa por si
só não conseguem trazer a paz social e o bem comum para a construção de uma
sociedade justa, humana e igualitária. Assim sendo precisamos todos, sociedade
e estado, governo, justiça, estudiosos e academias interagir de forma positiva
para combater fortemente todo tipo de discriminação social e combatendo os
regimes retrógados e totalitários que insistem em retirar garantias das pessoas
humanas, por mais inofensiva que possa parecer e extirpando a ideia de criar
uma nova classe de pessoas, as pessoas não pessoas.
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